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08/11/2008 - ENFIM, A BOLHA EXPLODIU...
William Almeida de Carvalho. Sociólogo. Pós-Graduado em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas e Doutor em Ciência Política pela Université Paris – Panthéon-Sorbonne. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e da Academia de Letras de Brasília. Ex-Secretário de Estado do Distrito Federal e ex-membro do Gabinete Civil da Presidência da República.
A crise financeira pegou quase todo mundo de surpresa. Analistas econômicos, jornalistas, presidentes e primeiros-ministros, economistas etc. estão perplexos e procurando o rumo das coisas.
Os jornais buscam freneticamente os economistas na tentativa de encontrar uma explicação plausível para entender a crise, esquecendo-se de que se o problema é de medula óssea não adianta pedir ao clínico geral para explicar a questão.
99% dos economistas não sabem o que está acontecendo, somente aqueles que acompanham há tempos a crise têm condições de explicar o fenômeno.
Para se entender a crise atual, há que recuar até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando o Presidente Roosevelt convocou uma reunião num balneário chamado Bretton Woods, em New Hampshire (EUA). Tratava-se de discutir como seria o mundo no pós-guerra, após a destruição do nazismo, e enfrentar o novo perigo: o império soviético.
Aprovou-se em Bretton Woods um Tratado de Comércio Mundial e Estabilidade Monetária e Financeira e criaram-se duas instituições multilaterais que moldariam o mundo a partir de então: o Fundo Monetário Internacional – FMI e um banco de reconstrução européia, que mais tarde seria conhecido como Banco Mundial.
Como os EUA possuíam 65% das reservas mundiais em ouro, estabeleceu-se o dólar como a moeda de conversão mundial. Para tanto, se congelou a paridade cambial do ouro com o dólar (uma onça–troy valeria a partir de então 35 dólares). Bretton Woods propiciou a implantação do Plano Marshal e a criação da OCDE.
Tudo funcionou perfeitamente bem até 1958, quando se assistiu o início da conversão das moedas européias que tinham sido destroçadas no final da guerra.
A partir de 1965, o dólar começou a claudicar e se iniciou a conversão de dólar por ouro, pois se dizia na nota de dólar de então que “se pagará por essa o equivalente em ouro”. O General De Gaulle era o enfant terrible das trocas maciças de dólar por ouro. Além do mais, face à fraqueza do dólar, advindas da Guerra do Vietnã e dos crescentes déficits do tesouro norte-americano, o general propunha uma valorização de 100% do ouro. Fato impensável, pois os maiores produtores mundiais eram a União Soviética e a União Sul-africana. Tal ação daria uma injeção de recursos extras ao império soviético.
Tentaram formar um pool dos países desenvolvidos para salvar o dólar e os especuladores mundiais começaram a apostar contra o dólar. As reservas dos EUA representam agora somente 25% do ouro mundial.
Alertado pelo serviço de inteligência norte-americano, que previa trocas maciças de dólar por ouro, o Presidente Nixon, num pronunciamento pela televisão, no dia 15 de agosto de 1971 (domingo), disse a um mundo estarrecido que, na segunda-feira, o Tesouro dos EUA não mais trocaria dólar por ouro: era o que os japoneses chamaram de “Nixonshock”. O dólar começou a flutuar, pois perdera o seu lastro.
Os fatos começaram a se desenrolar numa sucessão de crises cambiais ao lado de outras crises: o sistema de livre flutuação de moedas a partir de 1973; as crises do petróleo; os títulos podres (junk bonds) na década de 80; o fim do império soviético e bolha financeira dos derivativos na década de 90 etc.
Assistia-se à crise se alastrar na periferia do sistema financeiro mundial: o México (94/95) pedia auxílio de 17,6 bilhões de dólares ao FMI; o Japão tentou montar um Fundo Monetário Asiático para cuidar de sua área geofinanceira, prontamente vetado pelos EUA; o Sudoeste Asiático sofre as consequências em 97; Tailândia requisita 17 bilhões de dólares; a Indonésia 33 bilhões; Hong Kong e Coréia 55 bilhões; a Malásia em 98; a Rússia quebra em 98; o Brasil, na virada de 98 para 99 e, finalmente, a Argentina no final de 2001.
Agora, contudo, em final de 2008, a crise atinge o âmago do sistema com a quebra do quinto banco de investimento dos EUA: o Bear Stearn.
O nó da questão, segundo os especialistas, está na montanha de derivativos que formam uma verdadeira bolha financeira sobre nossas cabeças. Contudo, antes de ver o montante de derivativos, convém definir o que são derivativos.
Esotérico é o mundo dos derivativos. As palavras de passe são aparentemente quase místicas: floors, forward, caps, puts, calls, spreads, swaps, straddles, butterflies e condors. Afinal, o que são derivativos?
Para tentar se defender de oscilações de preços futuros de um ativo financeiro ou até mesmo alavancar suas aplicações, investidores apostam em derivativos – ativos financeiros que derivam, como o próprio nome diz, de um outro ativo.
No Brasil, as modalidades mais utilizadas são a termo e de opções nas bolsas de valores e as operações na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), como negociação de algumas commodities agrícolas, câmbio, ouro e índices como o futuro do Ibovespa.
Segundo os últimos dados do Banco de Compensações Internacionais, o BIS (sigla em inglês), com sede em Basiléia (Suíça), considerado o Banco Central dos bancos centrais, o montante de contratos de derivativos estava na ordem de 596 trilhões de dólares, em dezembro de 2007!! Qualquer ginasiano pode acessar esta página no sítio do BIS.
Para aqueles que pensam que os 700 bilhões de dólares aprovados pelo Congresso dos EUA estancam a crise financeira, devem dar uma olhadela no sítio do Tesouro dos EUA, mais especificamente no Escritório de Controle da Moeda (OCC da sigla em inglês), que apresenta a exposição dos bancos dos EUA aos derivativos, em 30 de junho de 2008.
O total de derivativos das carteiras de todos os bancos dos EUA somam a fantástica quantia de mais de 182 trilhões de dólares!! A política de concentração dos derivativos nos 25 principais bancos, levadas a cabo nos últimos anos para melhor controle da crise, alcança 181,6 trilhões. Se se considerar somente os cinco primeiros bancos do EUA (GPMorgan-Chase, Bank of América, City, Wachovia [que acabou de ser vendido] e HSBC) perfazem a megasoma de 176,4 – sempre em trilhões de dólares.
Com a crise atingindo o cerne do sistema financeiro mundial, algumas constatações podem ser anunciadas:
• Só uma superelite mundial está informada do que realmente está acontecendo.
• Assiste-se, ainda in nuce, a uma perda de confiança nas instituições financeiras nacionais e multilaterais.
• A grande imprensa está mal informada ou ....
• A crise atravessou o Atlântico Norte, contaminando a Europa, que poderá sofrer mais que os EUA. O Tratado de Maastricht está moribundo.
• Os bancos centrais estão jogando trilhões de dólares na ânsia de salvar um sistema financeiro em bancarrota.
• O Federal Reserve Bank (o Banco Central dos EUA) transforma-se num banco de fomento para salvar os bancos comerciais e os de investimentos.
• Resgate de títulos podres com fundos públicos.
• Enpoçamento da liquidez nacional e mundial.
• Abriu-se a “Caixa de Pandora” da inflação mundial. A inflação anualizada dos EUA, em agosto, foi de 10% e espera-se mais 10% em setembro....
• O mundo assistirá a uma onda de regulamentação, principalmente na área dos derivativos.
• O déficit orçamentário dos EUA, que já é de 700 bilhões de dólares, deverá ser somado aos 700 bilhões de ajuda aos bancos....
• Falência das instituições multilaterais – FMI, Banco Mundial e BIS – em gerir a crise.
• Baixa de juros nos EUA já não funcionam.
• Qualquer outro país no mundo que sofresse o que os EUA estão passando já estaria quebrado e com sua moeda em frangalhos.
Dadas estas constatações, quais seriam as medidas para superar a crise?
As sugestões seriam as seguintes:
• Somente uma instituição tem condições de resolver a questão: a presidência dos EUA, tendo à frente um presidente capaz e com uma equipe de altíssimo nível...
• Um novo Bretton Woods a la Roosevelt.
• O dólar deverá ser salvo, pois todas as poupanças mundiais dos últimos 50 anos estão lastreadas nessa moeda, mas isto não significa a manutenção da jogatina dos derivativos especulativos.
• Prioridade à economia física e aos fundos de pensão.
• Novo sistema de crédito mundial, com taxas de juros fixas.
• Transformar as obrigações dos EUA em títulos de longo prazo, com uma taxa de 1 a 2%.
• Remodelação do sistema dos bancos centrais.
• Programa mundial de investimento em infra-estrutura.
• Restaurar o Glass-Steagall Act, de 1933, que proibia os bancos comerciais dos EUA se engajaram em operações de bancos de investimento.
A sorte está lançada, quem viver, verá...
Fonte: CONSULEX |