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23/05/2007 - REPROVANDO A APROVAÇÃO
A julgar pelos protestos em forma de passeata, abaixo-assinado e declarações, a Secretaria Municipal de Educação conseguiu desagradar a professores, funcionários, alunos e pais com a tal resolução 946, que acaba com a repetência nas escolas públicas do ensino fundamental no Rio. Segundo a decisão, que não foi debatida pela classe, os alunos não serão mais reprovados, isto é, não receberão mais o conceito “I”, de insuficiente, só os “MB” (muito bom), “B” (bom) e “R” (regular).
A intenção de, com isso, evitar a evasão escolar pode parecer boa, mas dará resultado? Um documento dos professores responde que não. Diz que, ao contrário do que afirmam o prefeito e a secretária, a medida “não contribui em nada para a inclusão que eles apregoam; na verdade, reforça a exclusão total dos alunos”.
Já ouvi que o modelo deu certo em outros lugares, como Londres, e aí me veio à lembrança a escola-comunidade inglesa de Summerhill, de A. S. Neil, cuja história chegou aqui nos anos 60, incendiando a imaginação dos que sonhavam em revolucionar a educação. Ali, as crianças não faziam provas nem testes, só freqüentavam as salas de aula por interesse e não por obrigação, e criavam suas próprias regras de convivência. A escola dura até hoje, mas a experiência da “liberdade sem medo” não se propagou, muito menos aqui. Era uma daquelas utopias sessentistas boas para laboratório, mas nem sempre para virarem política pública.
Se, em vez de imposta, a medida tivesse sido debatida, muitas questões como essa viriam à tona. Numa época em que o problema maior das crianças e adolescentes não é, como antes, a repressão – do Estado, da família, da escola –, mas, ao contrário, a permissividade e a falta de limites, vale perguntar se é hora desse "liberou geral, dessa “aprovação automática”, como se não vivêssemos numa sociedade competitiva, em que nada é de graça. Por experiência própria e pelo que ouço de psicólogos e pedagogos, os jovens de hoje estão carentes de referência, de hierarquia, de um bom e firme “não” no momento certo. Eles mesmos ficam à espera disso por parte dos pais e professores. Até os mais rebeldes buscam um modelo contra o qual se rebelar.
Em lugar de retirar os obstáculos, de instituir o facilitário, é melhor ensinar a criança a vencê-los e a serem recompensadas por isso. Passar de ano é uma conquista, uma superação, e essa emulação consigo mesmo e com os outros costuma ser saudável. Uma diretora de departamento educacional da prefeitura justificou a resolução declarando que “não existe aluno insuficiente, como não existe ser humano insuficiente”. Perfeito. Mas isso não quer dizer que não tenhamos insuficiências, sobretudo numa idade em que se precisa aprender que nem sempre merecemos aprovação; às vezes, devemos ser reprovados, sim.
Zuenir Vent
Zuenir Ventura escreverá neste espaço durante as férias do titular, Elio Gaspari.ura, escritor e jornalista
Fonte: A NOTÍCIA |